quarta-feira, 8 de abril de 2009

Concurso Público: Negócio da China

 Julia Lovell segue fazendo buracos na muralha da China.
Embora decepcionado com a história apresentada até a página 245 (onde estou atualmente), considero que diversos aspectos merecem registro e um deles é o processo seletivo para os funcionários públicos.
A Dinastia Tang procedeu uma reforma burocrática no século VII e restaurou os exames para o serviço público.
Cabe ressaltar que, além de um salário fixo, "um cargo oficial oferecia aos burocratas criativos e corruptos, oportunidades abundantes de enriquecimento em proveito próprio". Havia também um preconceito em relação ao comércio e o caráter sagrado do Imperador -- fruto de um mandato celeste-- tornava a carreira honrada e virtuosa.
As semelhanças com o serviço público no Brasil não param por aqui, a preparação para o concurso, a prova em si e os concurseiros parecem não ter evoluído muito de lá pra cá.
No "edital" das provas as matérias eram sempre as mesmas, os textos da dinastia Zhou, venerados por Confúcio, e os ditados deste último e de seus discípulos mais famosos.
O sistema evoluiu para uma "tortura educacional, sofisticada e detalhada" e contribuiu para difusão do Confucionismo, padronizando pensamentos.
Os torturadores, digo examinadores, exigiam dos candidatos o máximo da erudição confucionista, pedindo, por exemplo, que as vítimas, digo candidatos, identificassem em que ponto dos Anacletos Confúcio havia empregado determinada palavra.
A tirania intelectual seguiu absorvendo as energias das melhores mentes do império, da mais tenra idade à idade adulta.

"Manuais pré-natais informavam às grávidas sobre a postura correta para o melhor desenvolvimento de um bacharelando ainda embrião, enquanto septuagenários tentavem persistentemente passar por mais jovens, às vezes com tal eficiência que nem mesmo suas mulheres os reconheciam!"

A revolta do povo, em virtude dos baixíssimos índices de aprovação e da falta de opção por outras carreiras, conduziu à guerra civil que durou 14 anos e foi liderada por um concurseiro alucinado que se dizia irmão mais novo de Jesus Cristo.
Mudanças importantes no processo seletivo foram introduzidas pelo imperador em 681 e a "decoreba" foi substituída pela poesia.
A capacidade de versejar era pré requisito para o progresso profissional e seu entrelaçamento com a política transformou boêmios autônomos em excêntricos patrocinados pelo Estado.
Assim evoluiu a poesia chinesa cujos versos guardam em si o momento vivido pelo funcionário público. Daí a melancolia daqueles que eram destacados para trabalhar nas fronteiras, lugar ideal para o transbordamento de sentimentos líricos, o que fez surgir um gênero literário independente, o sai shi (versos de fronteira).
A inutilidade das muralhas como instrumento de defesa ou de expansão, o ambiente hostil, a corrupção e a miséria daqueles que eram destacados para defender a China longe de sua cidade natal eram constantes nos versos.
O concurso público no Brasil também tem representado a prioridade na vida de muitas pessoasl. Posso dizer que tentei ser um concurseiro, mas não tenho disciplina suficiente, nem a endurance que só a necessidade dá.
O volume de matérias só se compara à quantidade de técnicas e cursos existentes que garantem a aprovação.
A vida do concurseiro já não era fácil na China Tang e está cada vez pior no Brasil do CESPE e da ESAF.
A história da China da forma como a autora aborda é repleta dessas coisas bizarras, o revezamento no poder entre chineses e mongóis parece não ter contribuído muito para a evolução das duas partes, que seguiram se matando por muitos anos.
No entanto é bom que a senhora Lovell fique bem ciente que isso não vai me desanimar, ir à china continua sendo projeto de médio prazo!

2 comentários:

  1. Li e lembrei de você e do modo como muitas vezes te vejo encarar a vida:
    "Tudo que tua mão encontra para fazer, faze-o com todas as tuas faculdades, pois que na região dos mortos, para onde vais, não há mais trabalho, nem ciência, nem inteligência, nem sabedoria. "
    Se preferir em inglês:
    "Whatever your hand finds to do, do it with all your might, for in the grave, [a] where you are going, there is neither working nor planning nor knowledge nor wisdom."

    Meu irmão vai dar tudo certo. Aguenta as pontas que está acabando.

    ABRAÇO!

    ResponderExcluir
  2. Acredito que naquela época, a maioria dos cargos eram dados para quem tinham títulos de nobreza ou conhecia alguém, com o concurso público , abriram-se portas para que todos pudessem participar. Hoje não se foge a regra, todos procuram um lugar ao Sol mas, para isso, necessitam de tempo, determinação e concentração para os estudos!

    ResponderExcluir